sábado, 17 de abril de 2004

Nunca é tarde...


...para perceber que isso é mentira. Infelizmente o efeito da Primavera não dura para sempre, e numa noite mais fria de Abril, há coisas que é impossível ver como um dia de Inverno que vai passar.

Interrogo-me muitas vezes sobre algo que não queria nunca ter a resposta. Crescer com barreiras, com caminhos vedados, outros pré-destinados, com funções pré-estabelecidas. Ser adulto sem independência, amadurecer sem poder mudar.
Para muitas, o caminho destinado foi também o desejado. Para muitas outras não. Aquilo que é hoje parte dos planos, era antes forçosamente o todo. E assim viveram uma vida dedicada ao que lhes foi permitido, ao que lhes foi destinado. Assim se viveu, sem trabalhar, sem tirar a carta de condução, sem dinheiro próprio, sem fazer parte das decisões. Porque assim era suposto.

O pior, e o melhor ao mesmo tempo mas só para quem veio depois, foi quando o mundo começou a mudar. Queimaram-se uns soutiens, deitaram-se abaixo umas barreiras, mataram-se uns preconceitos, ignoraram-se muitos outros, e o único caminho possível multiplicou-se. E foi-se multiplicando até ao infinito. Foi aí que eu, como muitas outras, cheguei. Quando, embora nem tudo esteja feito, tudo já é possível. Mesmo que eu não o queira, mesmo que eu não o ambicione, sei que me é pelo menos possível tentar. Porque é isso o melhor do mundo. Não é conseguir tudo. É poder escolher algo, de entre tudo.

E é assim que eu vivo. Para mim esta é a realidade.

Muitas vezes esqueço-me, por vezes custa-me, olhar para as que estão ao meu lado, no mesmo momento que eu, mas não podem dar os mesmos passos que eu. São tantas. Vivem no presente, com as regras do passado. Assistem demasiado perto à realização por outras daquilo que não puderam elas. Não me atrevo a tentar imaginar como é. Muito menos a perguntar porquê. Para umas revolta, outras frustação, outras resignação. Não foi possível parar o tempo para elas, nem fazer este chegar mais cedo. Para elas, não há Primavera que o esconda. Foi tarde demais.

Mas fico à espera da luz da Primavera da próxima manhã. E espero que elas também.