quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A vergonha do dinheiro

Este país tem coisas muito curiosas. Muitas coisas.
Estamos num país em que, logicamente, todas as pessoas vivem com a ambição de melhorar de vida, ter mais dinheiro, mais coisas. Há nisso toda a legitimidade.
Contudo, ter dinheiro é o demónio! Não há coisa mais vergonhosa neste mundo!
É ver os portuguesinhos permanentemente a conversar entre si sobre o que fazem e deixam de fazer, sobre o que compram e deixam de comprar, sobre para onde viajam ou deixam de viajar. E não há boca que não se abra para reafirmar e reafirmar a sua pobreza. Ah não, eu não tenho televisão por cabo. Ah não, eu nunca entro nessas lojas. Ah não, eu nunca viajo. Ah não, eu só compro marca branca. Isto sempre em resposta imediata e automática à menor manifestação de outrém, que ousou ter uma acção financeiramente mais... chamativa.
Desculpem-me, mas não há paciência para esta hipocrisia. Todos queremos ganhar mais dinheiro. Mas assim que essa meta se alcança, passa a ser vergonha. Os que ganham menos fazem gala em mencionar ao cêntimo quanto ganham. Os que ganham mais calam-se em copas, como se isso fosse uma mancha negra na sua reputação, um crime passado que ficou por punir. Não convém que ninguém saiba!
Ganhem menos ou mais, há uma permanente batalha para exibir sinais verbais de pobreza. Sim, verbais. Porque depois a grande maioria tem carros, casas, tv por cabo das mais caras, televisão e dvd, bicicletas, cremes de marca, roupas de marca. Mas são pobres, remediados. Temos que ser, mal de nós se não fossemos. Se calhar, para o ano somos mesmo todos. Mas até lá, ainda estou para perceber esse prazer inerente a ser pobrezinho. E essa vergonha abjecta em ter algum dinheiro, em alguém poder permitir-se um ou outro luxo.
Se há frase que odeio visceralmente é aquele imediatismo primário do "É porque pode!"
É mau poder? É repreensível alguém ter alcançado um momento na vida em que de facto pode permitir-se algo? Será que na mente de cada português há a grande certeza de que somos todos corruptos excepto ele? Ele, o esforçado trabalhador humilde injustiçado e desconsiderado ele? Não haverá portanto sequer a mais ínfima possibilidade de outros, como ele, terem trabalhado e de facto alcançado algo?
Será isto ainda o peso de uma ditadura de há décadas atrás, esse tão famoso e ainda tão na moda bode expiatório? Ou teremos todos desenvolvido uma mentalidade mesquinha e invejosa, que nos impede de ter um pensamento aparentemente bastante linear e óbvio, mas que parece escapar à maioria. "Que bom que ele conseguiu. Se ele conseguiu, talvez eu consiga."
Mas não. Talvez porque estamos habituados a viver num país de corrupção e jeitos aos amigos, e dinheiro para o bolso, e acordos velados. Se eu consigo, mereci-o. Se outros conseguiram, foi marosca.
Quem tem mais algum dinheiro, é bom que lhe pese na consciência. Não interessa saber se teve ou não mérito. Não teve e pronto. Teve sorte. Teve "amigos". Teve jeitos. Gostava de saber se, aos "pobrezinhos", não lhes pesa terem um emprego, carros e casas, e consolas de jogos e férias no Brasil, quando se comparam com os que de facto não tem nada. Então afinal? Não têm vergonha??