sexta-feira, 3 de fevereiro de 2006

Horas da vida

Foi preciso pôr os pés num lugar daqueles uma primeira vez para perceber. O barulho era insuportável. Os cães ladram continuamente. Era um ruído ensurdecedor que vinha de trás dos muros, principalmente para os meus ouvidos pouco habituados ao som da dureza. Senti um embate tal que tive vontade de fugir dali a correr. Quando vim de lá, trouxe o peso da vergonha. A vergonha dos anos todos a apregoar a defesa dos outros animais, no quente confortável, tranquilo e, principalmente, cego da minha casa. Mesmo tendo trazido tantos da rua para lá, ao longo do tempo, não se aproxima sequer do que aquelas pessoas fazem, por trás daqueles muros. Arrancam-se do calor e do conforto, vestem as roupas mais velhas que têm, e todos os dias, debaixo do sol ou da chuva, dão horas da sua vida para cuidar e acarinhar os animais que pessoas “de bem” acharam por bem abandonar e maltratar. Sempre acompanhados daquele som ensurdecedor, do latir dos cães presos nas “boxes”.
O que me ficou daquele dia foi a sensação de ter finalmente compreendido a palavra “altruísmo”. E de ter-me apercebido que nunca realmente a pratiquei. Eu nunca tinha percebido que a coisa mais valiosa que se pode oferecer são horas da nossa vida.
Há uma gigantesca barreira entre o que defendemos e o que fazemos. Tirar do nosso tempo de felicidade e bem-estar para estar em contacto com a infelicidade, a dificuldade e a tristeza, é das coisas que quase todos os que pensam nisso adiam para sempre.
Desde aquele dia, vejo com outros olhos as pessoas que percorrem as noites da cidade a oferecer sopa e cobertores, os que acolhem crianças com doenças terminais, que ficam horas nos supermercados a convencer os outros a dar comida a quem precisa, os que têm coragem de entrar nos canis municipais e tentar salvar animais da morte certa. Todos que deixam a sua vida ser invadida por um pouco de tristeza, para poderem transmitir um pouco de felicidade. Sem medo de serem contagiados pelo lado negro da vida. São esses os que hoje mais admiro. E é pela lição deles que hoje dei início a algo que já devia ter feito há muito tempo.

1 Comments:

  • A corrente dos blogs
    LOL
    "Cada bloguista participante tem de se lembrar e anotar cinco manias suas, hábitos muito pessoais que os diferenciem do comum dos mortais. E além de dar ao público conhecimento dessas particularidades, tem de escolher cinco outros bloguistas para entrarem, igualmente, no jogo, não se esquecendo de deixar nos respectivos blogues aviso do "recrutamento". Ademais, cada participante deve reproduzir este "regulamento" no seu blogue."

    By Blogger Firehawk, at 9:24 da tarde  

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