terça-feira, 7 de março de 2006

Os velhos

Mais próximos ou mais distantes, é muito estranho quando desaparecem. Os velhos. Com o tempo, mais cedo ou mais tarde, cada um de nós tem que aprender essa lição de que, à medida que cada velho vai deixando esta vida, vamos ficando órfãos do passado. Os guardiões das crianças que fomos eram eles. Os guardiões do cavalo de baloiço, do carro a pedais, do copo de leite quente com açúcar, daqueles ovos mexidos, da tablete de chocolate ao fim-de-semana, da tarde a aprender a fazer pompons, ou da manhã a aprender a rezar enquanto se fazia a cama, e das noites a ouvir contos com os amigos. Coisas que deixamos apagarem-se porque estamos descansados, são os velhos que as guardam, enquanto estamos ocupados a viver a nossa vida. São eles a quem confiámos as nossas memórias mais antigas, são eles o baú onde deixámos guardada a nossa infância. Mas o tempo vai levando um, depois outro. Eles partem, as casas são esvaziadas, os objectos distribuem-se, tudo se esbate e se dispersa. Quase como se os preciosos lugares seguros do nosso passado fossem devassados. E subitamente recordamos os pormenores todos que não tinham valor, numa tentativa de agarrar o conteúdo que desapareceu dentro daquele baú.
Era com os velhos que ainda podíamos ser miúdos, era com eles que ainda podíamos ser tontos e fazer traquinices, sem sermos repreendidos. Era com eles que ainda só tínhamos 10 anos. Eles vão e levam com eles a criança que nunca voltaremos a ser. Fica o adulto, guardião agora solitário de memórias esbatidas. A tentar perceber como foi que o tempo passou. Num piscar de olhos.

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