segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Abraço




Há poucas coisas no mundo assim tão boas. Expressa a profundidade de um sentimento como não há palavra, poema, música, olhar. Dar um abraço é envolver o outro no nosso carinho, e sermos envolvidos na reciprocidade. Acho até que naquele momento, mais breve ou mais longo, se atinge um estado ligeiramente acima do mortal. Os nossos pés ficam um nadinha acima do chão, e levamos o outro connosco.
Poderoso como é, é contudo subestimado. Era daquelas coisas para usar a torto e a direito, usar e abusar sem reservas, sempre que desse vontade, e não apenas em momentos de dor. Não apenas o amor da nossa vida, mas os vários amores das nossas vidas, aqueles que conseguiram ultrapassar as nossas barreiras e nos dão o desejo de os abraçar. Só porque existem.
Não falo daqueles abraços de circunstância, de palmadinhas nas costas. Falo dos abraços em que nos deixamos ficar, nem que seja por um segundo ou dois, aqueles em que fechamos os olhos e nos entregamos. Ali naquele instante dizem-se coisas mais do que alguma vez nos imaginámos capazes, às vezes que nem sabíamos conter.
Quando penso em abraços, lembro-me sempre do Rui, já lá vai tanto tempo. Que nos abraçava a todos e a cada um, sempre que lhe apetecia. E naqueles abraços nos fortaleceu a todos, nos fez sentir amparados e resguardados dentro de uma bolsa da carinho, que renovava sempre.
Nós não. Nós guardamos os abraços para nunca, abafamo-los e à vontade deles até se extinguirem. Às vezes vivemos anos com um abraço engasgado no nosso desejo, e quanto mais passa o tempo, menos coragem temos de o soltar.
Eu tinha um desses, preso aqui no meio do peito. Porque algumas vezes na vida temos a sorte de encontrar alguém que nos faz transbordar o peito de carinho, que é uma espécie de luz nos nossos dias. A consciência dessa sorte só pode expressar-se com um abraço. Mas eu tinha vergonha. Fugia deste abraço como o diabo da cruz, só por vergonha, só porque não é suposto abraçar alguém por razão nenhuma que não seja a vontade.
Foi assim que deixei passar anos com este abraço engasgado; para lidar com ele acabava por transmitir até a ideia contrária, de que não sentia nada da especial. Um abraço prisioneiro na minha vontade. Até hoje. Já o tinha ensaiado na cabeça tantas vezes...
Quando o vi chegar, inesperadamente, o meu coração deu um saltinho de alegria. Fiquei sentada quietinha, a pensar em como reagir. Mas era óbvio que este era o dia em que este abraço, à espera há tantos anos, ia finalmente soltar-se. Pus para trás todas as regras sociais assimiladas, esqueci toda a gente que nos rodeava, e finalmente... dei-lhe um abraço.
Bom, não foi um abraço de filme. Foi trapalhão, eu hesitante e envergonhada, ele, num instante perplexo, e no outro... feliz. Muito feliz. Disse-lhe o que nunca tinha sido capaz de dizer, com uma clareza assombrosa. Amigo.
Não sei porque é que guardamos tanto algo que produz tanto carinho. É daquelas poucas coisas que, ao darmos, recebemos a dobrar. Uma manifestação da existência da nossa alma e do poder que lhe tem a emoção.
Hoje foi o primeiro. Não será definitivamente o último.

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