terça-feira, 11 de maio de 2004

Sem exclamações


Estava contente. Estava tão contente. Mas era assim que ele se permitia senti-lo. Sem exclamações. Se a vida lhe tinha ensinado uma coisa boa era que devia sempre fazer as coisas, mesmo que houvesse grande probabilidade de não resultarem. E se lhe tinha ensinado uma coisa má era a não extravasar a alegria. A expectativa de uma coisa que tanto pode vir a ser a melhor coisa que lhe aconteceu como a mais frustrante tinha que ser contida, abafada, sufocada dentro dele até ir perdendo a força e o tamanho, e tornar-se quase num pequeno nada, uma pequenina memória que já mal lhe faz palpitar o coração.
Naquela manhã tinha tido a resposta que fingira a si mesmo não esperar. Não tinha contado a ninguém o que tentara. Não pusera em palavras o que pretendia. Não tinha dito a si mesmo que tinha esperança. Até quase conseguira fazer-se esquecer. Mas a cada minuto das horas e dos dias que passaram, teve ali constante aquela presençazinha, como uma minúscula faísca sempre a querer acender-se. A esperança, essa maldita que ele se tinha ensinado a não ter, a quem decidira nunca mais se vender. A desilusão era um preço demasiado doloroso, e a sua alma já não tinha mais forma de pagar.
Naquela manhã, sentou-se como todos os dias à secretária, com os pés sobre a esperança para ela não se levantar, rodeado da resignação de mais um dia vazio, abriu o email e... As palavras que leu entraram-lhe pelo corpo como uma bola de ar, que se lhe alojou no peito e começou a encher, a encher, a encher sem controlo! Não! Não! A esperança! Não podia...! Mas qual quê, ao mesmo tempo já tinha a cabeça cheia de pensamentos e o coração vazio de precauções! Num instante já tinha pensado a quantas pessoas queria contar! Num instante já tinha imaginado anos da sua vida para a frente! Já tinha imaginado o seu caminho a mudar, já tinha imaginado o seu sonho a realizar-se. Já tinha pensado aquilo que evitava mais que tudo: “é possível”.
Parou, fechou os olhos e respirou fundo, para ver se aquilo saía de dentro dele. Ao princípio ficou, depois esmoreceu um bocadinho, depois mais um bocadinho... Obrigou-se a perceber que não era nada, nada de especial. Apenas mais uma pequenina coisa, que vinha e ia, sem deixar marca, sem mudar nada. Era assim que tinha que viver, aceitando que nunca nada ia ser diferente, especial. Sem expectativa, nunca nada o poderia desiludir.
Ficou sem saber o que fazer. Já mal lhe palpitava o coração. Responder à resposta? Ou deixar-se para sempre pendurado naquelas palavras, na ilusão do que poderia ter sido?
As horas e os dias foram passando. Ao fim de todo este tempo de hesitação e medo, a definhar-lhe a esperança, começou a perder o sentido, a resposta. E se respondesse, voltaria a perder o controlo. Voltaria a correr o risco. E entre o pedacinho ínfimo da possibilidade, e a certeza total de não se desiludir, a escolha veio a ser clara com o passar do tempo.

Nunca mais voltou a ler as palavras. Deixou-as vagamente guardadas na memória do que não chegou a viver. E assim não voltou a ferir-se. E assim o tempo continuou a passar.