segunda-feira, 28 de junho de 2004

Não estou aqui


Técnica ancestral, desenvolvida em escritórios portugueses, normalmente de função pública, onde trabalhar é uma actuação com mérito de Oscar.

Autopromova-se até à exaustão. Mostre ao Chefe do departamento para onde almeja ir que não poderá haver melhor aquisição que você. Você é uma pessoa séria, uma pessoa profissional, você é uma pessoa de ambição – absolutamente controlada, pronta a suar pelo departamento, pronta a enfrentar todas as dificuldades e totalmente capaz de resolver qualquer problema com um olho fechado e uma perna às costas. Seja melga. Mostre que está decidido a lutar até ao fim.

Depois de entrar no departamento almejado, analise bem o escritório onde vai ser colocado. Escolha uma posição chave, preferencialmente de costas para uma parede, por forma a que ninguém possa ver o que está a fazer. Durante o dia, escreva muito, faça muitos cliques com o rato, para que se perceba que está sempre a trabalhar. Nota: sites de chat ou jogos fornecem muito bem este tipo de funcionalidade. Fume: como os colegas não suportam o fumo dentro da sala, isso obriga-o a sair constantemente para fumar no corredor. Coloque um ar apático/antipático. Uns pensarão que você é uma pessoa burra a quem não vale a pena pedir ou perguntar nada, outros pensarão que é um monstro com o qual deve evitar-se abrir qualquer canal de comunicação. Use sempre auscultadores, durante todas as sete horas e meia de trabalho. É uma excelente forma de parecer nunca ouvir os telefones a tocar. Se por algum motivo, se vir obrigado a atender o telefone, nunca pergunte se pode ajudar, pergunte sim imediatamente se a pessoa quer deixar recado. Os auscultadores também inviabilizarão a comunicação à primeira e à segunda tentativa, pelo que a maior parte das pessoas desistirá de todo, já que há outras pessoas que respondem à primeira. Nunca dê opiniões, palpites, não faça piadas, não releve a ninguém que está presente. Com o tempo, as pessoas acabarão até por esquecer-se que você está dentro da sala.

Se ainda assim lhe passarem trabalho, mostre-se revoltado! Tudo para você, tudo para você! Você não pode chegar a tudo! Terá de falar com o Chefe para que ele decida o que quer que você faça, de entre a enorme lista de afazeres!
Poderá também aceitar a tarefa em silêncio, e deixá-la por fazer durante dias, na desculpa do muito trabalho que tem sobre os ombros. Com o tempo, as pessoas assimilarão a ideia de que qualquer trabalho que lhe pedirem demorará demasiado a ser realizado, e escolherão um outro idiota qualquer que se esforça por fazer tudo o mais rápido possível.

Nas reuniões, faça um ar entendido, de quem está farto de saber tudo o que lá se diz. Acene afirmativamente a algumas declarações, diga esporadicamente um “Claro!” ou um “É óbvio.”, isto transmitirá todo o seu conhecimento. Se pedirem alguma opinião à equipa, mantenha-se em silêncio absoluto até que alguém se sinta na obrigação de falar. E depois confirme que o outro está certo, sem pronunciar uma palavra, apenas com um superior aceno de cabeça. Mas - atenção! - não olhe as pessoas nos olhos. Assim nunca correrá o risco de que lhe façam perguntas. E esqueça-se sempre dos seus cartões de visita. Desta forma, dificilmente alguém voltará a contactá-lo a si com questões complicadas.

Nunca se ofereça para fazer nada. Você não tem tempo!

Está provado que, na maioria das vezes, a evoluída técnica “Não estou aqui” é bem sucedida durante toda uma vida laboral. No pior dos cenários, o seu Chefe aperceber-se-à de que você não faz nada, e, impossibilitado de o despedir, seguirá o único caminho possível: despachá-lo. É assim que você será promovido para um lugar superior, noutro departamento, que ainda não o conheça. Recomece todo o processo, e pode ter a certeza, será sempre promovido até ao limite da sua ignorância. Ou da sua esperteza de rato, que sabe muito bem que pode viver toda uma vida à custa dos idiotas que acham que ter brio profissional é realmente bom.