quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

A razão

Quando se está muito tempo com uma pessoa, quando se partilham projectos, se dividem tarefas, se planeiam futuros, há sempre, sem excepção, uma única questão que acaba por surgir à superfície. A razão. Nos primeiros tempos, somos sempre o melhor de nós, compreensivos, tolerantes, prontos a ceder, abdicando sem hesitações da nossa opinião pela do outro. Mas por baixo do verniz lustroso e sem falhas, estamos nós, seres humanos de tal forma imperfeitos e humildo-deficientes que sabemos que somos donos daquilo que os outros todos apenas acham que têm: razão. Infelizmente, o tempo e os obstáculos ocupam-se de fazer estalar a nossa brilhante cobertura, e pelas falhas lá começa a reluzir o nosso lado mais negro. O lado QUE TEM RAZÃO. É assim que, enquanto para uns somos mesmo simpáticos e bem dispostos, para outros nos tornamos lentamente cada vez mais intransigentes. Ceder é cansativo, e às tantas já não conseguimos manter aquela almofada de segurança entre o que pensamos e o que dizemos. Porque convenhamos, em 99% dos casos, quem tem razão... somos nós. E é tão estranho como os outros não conseguem ver algo tão claro...!
Soluções? Não sei. A razão está no meio de todas as relações, e desconfio que está também no início e no fim de muitas. O equilíbrio dura apenas enquanto o verniz não estala. E racionalizar, conter, evitar não me parece natural, extermina toda a espontaneidade entre as pessoas. E como não é natural, dura apenas o que dura – muito pouco. Porque se não é natural, não tem graça nenhuma.
Ouvir. Ouvir talvez seja a solução. Ter razão não pode ser uma questão de honra. Talvez faça mesmo sentido se os outros chegarem de facto ao fim das frases. Talvez outras vezes seja apenas outro caminho para chegar ao mesmo lugar, e quem sabe até seja um caminho mais curto. Ou mais longo, se tiver que ser.
E ver. Vermo-nos pelos olhos dos outros. Por muito difícil que seja, é um exercício – por vezes desagradável – que nos impõe limites e nos lima arestas.
A razão pode transformar-nos nuns monstrinhos insuportáveis, e quanto mais nos domina, mais parece que são os outros a sofrerem a mutação. É a vida. Enquanto houver duas cabeças, haverá duas razões. A dos outros... e a correcta.
E agora digam lá se eu não tenho razão.