De joelhos
Desde sempre tinha ouvido falar daquele sítio. Em pequena, os meus Padrinhos tinham-me dado um livrinho cheio de desenhos de três meninos pobres, mirando extasiados uma mulher santa, sobre a copa de uma árvore, com nuvens aos pés. Ao longo do tempo fui ouvindo da fé, dos peregrinos, das promessas, da afluência dedicada, das datas "especiais", as transmissões televisivas. Até ao dia em que eu própria vi, com os meus olhos.
E o que eu vi... não foi um lugar de fé, de altruísmo, de dedicação desinteressada, de abnegação. Foi um lugar de troca, uma praça do comércio dos desejos, dos pedidos, dos medos. Por entre a chamada "fé", uma espécie de ritual pagão, a um Deus apreciador do sacrifício e do sofrimento dos homens. Um Deus que, claramente, não era o meu.
O que mais me marcou não foram sequer as pessoas, que se arrastavam de joelhos, estranhamente crentes que fosse aquele um agradecimento que Deus gostasse. Foi o facto de que há um caminho em mármore no chão, feito especificamente para aquela bizarra tarefa. São estas pessoas, é esta sociedade a mesma que censura aqueles homens nas Filipinas que acham por bem crucificar-se na Páscoa. Não vejo a diferença. Sofrimento inútil é sofrimento inútil, qualquer que seja a intensidade da dor.
Se existe um Deus, ele não pode ser assim. Deus não pode estar onde estiver, satisfeito por uma dor que não traz bem algum ao mundo. Se é suposto dar de nós para agradecer uma dádiva, porque não dedicando tempo aos outros, fazendo trabalho de voluntariado, dando companhia aos esquecidos nos lares, lutando por tantas causas que bem precisam da nossa perserverança... Há tanto a fazer neste mundo, tanto que precisa do nosso tempo e da nossa abnegação. E escolhe-se ir arrastar-se de joelhos. Não vejo porque tem a gratidão de se exprimir em dor. Em vez de em utilidade. E em bem.
E as promessas. Aí, colocam-se os seres humanos ao nivel de Deus. "Se Deres um emprego ao meu filho, eu prometo ser melhor, eu prometo pôr dinheiro na caixas das esmolas todos os dias durante um mês, eu prometo fazer isto, eu prometo fazer aquilo..." Sermos melhores não deveria ser à partida a nossa obrigação? Há coragem de dizer a Deus que só fazemos, só damos, só agimos, se Ele nos conceder o que pretendemos?? Compreendo que isto nos deixe sem moeda de troca. Não há nada que possamos oferecer em troca de ajuda. Há. Termos sempre tentado ser melhores, e não apenas naquele momento em que nos interessa.
Custa-me esta interpretação de um Deus. Age-se como se ele não estivesse um pouco dentro de cada um, mas como se fosse uma entidade exterior, com quem tudo se troca, com quem tudo se negoceia. É um mercantilismo da fé, a que muitos se vendem, à procura do seu próprio e exclusivo bem.
Deus não pode ser um Deus castigador, apreciador do sacrifício inútil, valorizador da dor pela dor. Mas deve ser por vezes um Deus triste.
E o que eu vi... não foi um lugar de fé, de altruísmo, de dedicação desinteressada, de abnegação. Foi um lugar de troca, uma praça do comércio dos desejos, dos pedidos, dos medos. Por entre a chamada "fé", uma espécie de ritual pagão, a um Deus apreciador do sacrifício e do sofrimento dos homens. Um Deus que, claramente, não era o meu.
O que mais me marcou não foram sequer as pessoas, que se arrastavam de joelhos, estranhamente crentes que fosse aquele um agradecimento que Deus gostasse. Foi o facto de que há um caminho em mármore no chão, feito especificamente para aquela bizarra tarefa. São estas pessoas, é esta sociedade a mesma que censura aqueles homens nas Filipinas que acham por bem crucificar-se na Páscoa. Não vejo a diferença. Sofrimento inútil é sofrimento inútil, qualquer que seja a intensidade da dor.
Se existe um Deus, ele não pode ser assim. Deus não pode estar onde estiver, satisfeito por uma dor que não traz bem algum ao mundo. Se é suposto dar de nós para agradecer uma dádiva, porque não dedicando tempo aos outros, fazendo trabalho de voluntariado, dando companhia aos esquecidos nos lares, lutando por tantas causas que bem precisam da nossa perserverança... Há tanto a fazer neste mundo, tanto que precisa do nosso tempo e da nossa abnegação. E escolhe-se ir arrastar-se de joelhos. Não vejo porque tem a gratidão de se exprimir em dor. Em vez de em utilidade. E em bem.
E as promessas. Aí, colocam-se os seres humanos ao nivel de Deus. "Se Deres um emprego ao meu filho, eu prometo ser melhor, eu prometo pôr dinheiro na caixas das esmolas todos os dias durante um mês, eu prometo fazer isto, eu prometo fazer aquilo..." Sermos melhores não deveria ser à partida a nossa obrigação? Há coragem de dizer a Deus que só fazemos, só damos, só agimos, se Ele nos conceder o que pretendemos?? Compreendo que isto nos deixe sem moeda de troca. Não há nada que possamos oferecer em troca de ajuda. Há. Termos sempre tentado ser melhores, e não apenas naquele momento em que nos interessa.
Custa-me esta interpretação de um Deus. Age-se como se ele não estivesse um pouco dentro de cada um, mas como se fosse uma entidade exterior, com quem tudo se troca, com quem tudo se negoceia. É um mercantilismo da fé, a que muitos se vendem, à procura do seu próprio e exclusivo bem.
Deus não pode ser um Deus castigador, apreciador do sacrifício inútil, valorizador da dor pela dor. Mas deve ser por vezes um Deus triste.
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