Um olhar pela grade
Já lá vão tantos dias, mas aquele olhar continua a assaltar os meus momentos mais tranquilos. Tinha conseguido esquecer-me dela, quando a vira lá, dois anos antes, fechada naquele cubículo gradeado. Dois anos depois ela ainda lá estava. No mesmo cubículo gradeado, velho, descuidado. Em cada dia que passou, em cada momento triste e em cada momento feliz que eu vivi, no frio gélido das madrugadas de Inverno e nas tardes sufocantes de Verão, ela esteve ali. Sempre ali. Sem um momento de liberdade. Sem um gesto de carinho.
Dois anos depois, voltei a ver o mesmo. Aquele olhar ingénuo e triste, mas sempre com a esperança do reconhecimento pelas pessoas que passam sem a ver.
Aproximei-me do cubículo e meti os dedos pelo gradeamento para lhe tocar. As patas surgiram imediatamente pelos buracos da grade, o corpo completamente pressionado contra o arame, num desespero de conseguir chegar mais perto de mim.
A alguns metros por trás de mim, eu ouvia a voz impassível do dono. “Ela é falsa. É um cão falso. Não se pode chegar ao pé dela.”
Consegui passar uma mão através da grade e afaguei-lhe o pêlo na cabeça. Aquele olhar não tinha nada de falso. Era um olhar que implora o que não devia ser preciso pedir: carinho e liberdade.
Estive ali assim algum tempo, enquanto ouvia a mesma voz proibir as crianças de se aproximar. E quando finalmente me afastei, ainda ouvi aquele tom displicente: “É falsa. Um dia destes tenho que me livrar dela.”
Nem consegui olhar mais para ela. E o homem... Dizia Ghandi que a evolução de um povo se pode medir pela forma como os seus animais são tratados. E eu não tinha argumento possível contra a ignorância.
Agora, todos os dias vejo aquele olhar. Todos os dias ele me implora que lhe troque o desespero por felicidade. Posso convencer-me que não posso salvar o mundo. Posso fingir que acredito que não está nas minhas mãos. Mas nunca vou deixar de ver aquele olhar. E ele nunca vai deixar de me lembrar aquilo que somos.
Dois anos depois, voltei a ver o mesmo. Aquele olhar ingénuo e triste, mas sempre com a esperança do reconhecimento pelas pessoas que passam sem a ver.
Aproximei-me do cubículo e meti os dedos pelo gradeamento para lhe tocar. As patas surgiram imediatamente pelos buracos da grade, o corpo completamente pressionado contra o arame, num desespero de conseguir chegar mais perto de mim.
A alguns metros por trás de mim, eu ouvia a voz impassível do dono. “Ela é falsa. É um cão falso. Não se pode chegar ao pé dela.”
Consegui passar uma mão através da grade e afaguei-lhe o pêlo na cabeça. Aquele olhar não tinha nada de falso. Era um olhar que implora o que não devia ser preciso pedir: carinho e liberdade.
Estive ali assim algum tempo, enquanto ouvia a mesma voz proibir as crianças de se aproximar. E quando finalmente me afastei, ainda ouvi aquele tom displicente: “É falsa. Um dia destes tenho que me livrar dela.”
Nem consegui olhar mais para ela. E o homem... Dizia Ghandi que a evolução de um povo se pode medir pela forma como os seus animais são tratados. E eu não tinha argumento possível contra a ignorância.
Agora, todos os dias vejo aquele olhar. Todos os dias ele me implora que lhe troque o desespero por felicidade. Posso convencer-me que não posso salvar o mundo. Posso fingir que acredito que não está nas minhas mãos. Mas nunca vou deixar de ver aquele olhar. E ele nunca vai deixar de me lembrar aquilo que somos.
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