sexta-feira, 29 de outubro de 2004

"A pior é minha!"

A mulher jogou-me um olhar miseravelmente conformado e afirmou convicta: “Acredite, menina, não há ninguém mais infeliz do que eu.” Ora aí está, mais uma prova deste campeonato mundial, que se lançou com certeza desde que o Homem se lançou a pensar. Seja na especialidade saúde, amor, família, trabalho, o que quer que seja, cada um acha que o ouro é seu e que para os outros ficam os lugares mais abaixo. Troça-se das velhinhas que se sentam nos bancos dos autocarros a trocar cromos de doenças, mas as grandes competições dos Jogos Olímpicos da Dor não se dão no campo da terceira idade. Porque será? Porque será que quase todos se convencem que a sua dor é a pior? É certo, a nossa dor é sempre a que dói mais. Não se confunda com ser a pior. Há quem se deixe viver nesta estranha crença, que como seria de esperar os afunda ainda mais. E nunca se olha para o lado para relativizar. Temos direito às nossas lágrimas, às nossas dores, aos nossos momentos de desistência, à nossa sensação de injustiça, de impotência, às nossas revoltas. Não sei se teremos direito a esconder-nos por trás do ouro da dor, que é falso como os Omega ali do Martim Moniz.
O que haverá de bom em pensar que a nossa dor é a pior? Passar a mártir? Poder desistir? Poder acreditar que não há nada a fazer? Podermos zangar-nos com o mundo e nunca mais lhe falar? Sermos uns coitadinhos? Às vezes até somos, sim senhor. Principalmente quando nos fazemos a indulgência de ter pena de nós mesmos.
Mas é verdade, há quem ganhe mesmo o ouro da dor. Há quem saiba o que é estar só, lá em cima, naquele primeiro lugar, que não é só de um, mas de muitos. Mas a cada um parece com certeza absolutamente vazio. Aqueles para quem a vida se tornou estéril e desértica.
Gozemos nós os nossos segundos e terceiros lugares, e não queiramos nunca ser nós a cortar primeiro a meta.