No dia em que eu não estava
Eu ainda não a tinha visto. Sentara-se uns lugares à minha frente, virada para mim. Mas foi quando ela se levantou que os meus olhos passaram por ela e por um instante o meu coração parou. Estremeci e tive que voltar a olhar para ela. O cabelo era diferente. Mas o rosto... parecia que ela tinha voltado a respirar, e estava ali outra vez, a mexer-se, a andar, a sorrir...
Finalmente os traços do seu rosto tinham começado a apagar-se da minha memória. E com eles desvanecia-se a intensidade das perguntas que para sempre ficaram por responder.
A sensação da sua existência levou-me de volta àquele dia. Àquela manhã em que acordei com a notícia. As palavras ainda ecoam aqui por dentro, umas vezes absolutamente silenciosas, outras ressoando tão alto que tenho que as escutar. E aquela confusão na minha cabeça. Porque naquela noite fôra ela que escolhera não voltar a ver outra manhã.
Aquela decisão – premeditada - terminou a sua vida, e trouxe à minha e à de outros as dúvidas e os receios de uma culpa que não é nossa mas que para sempre nos acompanharão. Eu também nunca percebera os convites esporádicos para o café ao fim do dia, os telefonemas inesperados ao fim da noite. “Podemos conversar?” Sinais agora óbvios de quem estava só. Mas nunca disse.
Fui eu que, ainda confusa, retirei todas as suas coisas do escritório. Fui eu que recebi os seus familiares confusos, à procura de uma razão. Uma mulher apaixonada, que vencera uma dura batalha pela saúde, com uma carreira promissora à sua frente. Porque terá tido pressa de morrer... Porque terá desistido no momento em que finalmente vencera.
Nas minhas gavetas ficaram uns papéis que ela escrevinhara para me ajudar num trabalho. Não olho para eles. Mas também não me desfaço deles. Em minha casa ficou o resto dos bombons que me trouxera de uma viagem, dentro de uma caixa que não voltarei a abrir. Na minha estante ficou o último livro que ela comprou, e que me emprestara. Quis devolvê-lo à família, como me para me livrar das provas de que ela existira na minha vida. Mas... “Tenho a certeza de que ela teria querido que ficasse com ele.” Agora guardo-o, mas não posso abri-lo. Está ali, como uma espécie de relíquia sagrada, que guarda as palavras que ela lá escreveu, num momento de felicidade.
Naquele dia, ela chegou a chorar, e partiu a chorar. Na manhã seguinte, éramos nós que chorávamos, já ela descansava. Cada um de nós passou a viver com a dúvida de poder ter sido diferente, se tivessemos feito alguma coisa naquele dia. Naquele dia em que eu não estava. E se tivesse estado? Tê-la-ia fechado comigo no escritório, como de outra vez? Tê-la-ia impedido de ir?
Mas não é assim. Há sempre um momento na vida em que vamos estar completamente sós. E é nesse momento que descobrimos se temos ou não força para viver. E naquela noite, ela soube a sua resposta.
Vê-la agora ali à minha frente outra vez foi tão assustador como revelador. Não existe uma culpa, não existe um “podia ter sido”. Mas a dúvida, essa, caminhará para sempre ao nosso lado.
Finalmente os traços do seu rosto tinham começado a apagar-se da minha memória. E com eles desvanecia-se a intensidade das perguntas que para sempre ficaram por responder.
A sensação da sua existência levou-me de volta àquele dia. Àquela manhã em que acordei com a notícia. As palavras ainda ecoam aqui por dentro, umas vezes absolutamente silenciosas, outras ressoando tão alto que tenho que as escutar. E aquela confusão na minha cabeça. Porque naquela noite fôra ela que escolhera não voltar a ver outra manhã.
Aquela decisão – premeditada - terminou a sua vida, e trouxe à minha e à de outros as dúvidas e os receios de uma culpa que não é nossa mas que para sempre nos acompanharão. Eu também nunca percebera os convites esporádicos para o café ao fim do dia, os telefonemas inesperados ao fim da noite. “Podemos conversar?” Sinais agora óbvios de quem estava só. Mas nunca disse.
Fui eu que, ainda confusa, retirei todas as suas coisas do escritório. Fui eu que recebi os seus familiares confusos, à procura de uma razão. Uma mulher apaixonada, que vencera uma dura batalha pela saúde, com uma carreira promissora à sua frente. Porque terá tido pressa de morrer... Porque terá desistido no momento em que finalmente vencera.
Nas minhas gavetas ficaram uns papéis que ela escrevinhara para me ajudar num trabalho. Não olho para eles. Mas também não me desfaço deles. Em minha casa ficou o resto dos bombons que me trouxera de uma viagem, dentro de uma caixa que não voltarei a abrir. Na minha estante ficou o último livro que ela comprou, e que me emprestara. Quis devolvê-lo à família, como me para me livrar das provas de que ela existira na minha vida. Mas... “Tenho a certeza de que ela teria querido que ficasse com ele.” Agora guardo-o, mas não posso abri-lo. Está ali, como uma espécie de relíquia sagrada, que guarda as palavras que ela lá escreveu, num momento de felicidade.
Naquele dia, ela chegou a chorar, e partiu a chorar. Na manhã seguinte, éramos nós que chorávamos, já ela descansava. Cada um de nós passou a viver com a dúvida de poder ter sido diferente, se tivessemos feito alguma coisa naquele dia. Naquele dia em que eu não estava. E se tivesse estado? Tê-la-ia fechado comigo no escritório, como de outra vez? Tê-la-ia impedido de ir?
Mas não é assim. Há sempre um momento na vida em que vamos estar completamente sós. E é nesse momento que descobrimos se temos ou não força para viver. E naquela noite, ela soube a sua resposta.
Vê-la agora ali à minha frente outra vez foi tão assustador como revelador. Não existe uma culpa, não existe um “podia ter sido”. Mas a dúvida, essa, caminhará para sempre ao nosso lado.
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