quarta-feira, 4 de agosto de 2004

Anjo no corredor?

Quase todas as manhãs – e horas de pequeno almoço, almoço e de saída – atravesso o corredor ladeado por escritórios com paredes de vidro, e por trás de um dos vidros sou brindada com um enorme sorriso e um aceno absolutamente alegres e genuínos. Às vezes faz-me lembrar a sensação de chegar a casa e ter um cãozinho à minha espera, de rabo a abanar. Ela é assim, alegre, leve, sem embrulho nem maquilhagem. Quando conheço alguém, normalmente há sempre uma luzinha de alarme ou outra que acende. Com a Carolina, a única luz foi a do sol, natural. A Carolina é uma mulher jovem, bonita e sensual, que não faz uso de atributos, e não tem pingo de maldade ou interesse. Conversadora e bem disposta, vive sem ódios nem paixões, apenas vive. E todos os dias tem o tal sorriso para me dar. O sorriso que não encontro em mais ninguém. O sorriso de quem está bem. O sorriso de quem não tem queixas, desilusões ou inimizades. Ou tendo-as, não se concentra nelas. Parece uma daquelas personagens de telenovela que eram interpretadas pela Maitê Proença. Boazinha, boazinha! Pensava eu que era criatividade da Globo. E no fim... elas existem! E como nas telenovelas, alguém assim tem que suscitar escárnio e invejas. Porque não há muita gente capaz de viver de bem com a vida e com os outros. Eu pelo meu lado, adoro! Com a Carolina não é preciso fingir, não é preciso ter cuidado, não é preciso estar alerta. Posso baixar as barreiras, sair para fora da muralha. Posso deixar-me ser um bocadinho como ela, durante os minutos em que conversamos. É como um intervalo no paraíso, no mundo do cinismo.
E porque é que a Carolina consegue ser assim? Força interior? Coragem? Inteligência? Não. A verdade é que a Carolina também vive um pouco como o cãozinho, sem noção da maldade, ela vive na superfície. Uma ingenuidade a roçar os laivos do que se poderia considerar uma inteligência menor. Há quem lhe chame burra. Sim? Percorram-se todas estas salas envidraçadas, por todos estes andares de todos estes edifícios e encontre-se alguém feliz como ela. A Carolina é genuinamente feliz e satisfeita. Porque não exige como o resto de nós, porque não complica como o resto de nós. Quando ela me sorri do outro lado do vidro, eu acho que o resto de nós saltou um passo à frente da perfeição e estragou tudo.
Será que eu, complicada, exigente, tantas vezes triste, desiludida com o mundo, trocaria de lugar com a Carolina? Será que eu trocaria a minha mortalidade para ser anjo? Não sei. Por estranho que pareça, provavelmente não. E não sei se um mundo cheio de ingénuos teria piada.
Mas sou felizarda porque encontro a Carolina do outro lado do vidro. E quando eu passo e lá daquele lado ela se vira para me sorrir e acenar, eu ganho um novo fôlego para enfrentar os outros sorrisos, os cínicos, que nunca saberão o que é ser o sorriso da Carolina.