lá
Entrar naquele lugar foi dar um passo para dentro do passado. Um passado longínquo e abafado, mas imortal. Não sei porque o fiz, atraída por aquele sabor agridoce de sonhos antigos, finalmente cedi. Tudo está igual, como se ainda fosse aquele tempo. O cheiro inconfundível ainda é o mesmo, os objectos ainda são os mesmos, ainda estão nos mesmos lugares, até o gato negro e misterioso ainda é o mesmo a percorrer os corredores e a anichar-se nas camas. Se eu fechasse os olhos estaria lá, naquele tempo. As paredes ainda estão impregnadas com o eco dos nossos risos. No ar ainda há a sensação daquela fé, ingénua e inabalável. Ainda oiço os sons das cordas das guitarras, que também ainda lá estão, agora guardadas nas bolsas, como a conservar a música que um dia delas saiu. E ali na sala, ainda nos vejo a brincar, as cadeiras que faziam de autocarros, o cão de louça que partimos, a boneca que fazia de Princesa Leia, as nossas espadas de madeira, e os álbuns de vinil que serviam de bateria nos nossos playbacks. E a primeira vez que fizemos uma música. E as noites em que até nos esquecíamos de jantar.
Do cheiro e dos objectos e do gato e dos livros e das guitarras, surgiu-me um pontinho dentro do peito, que aumentou e se alastrou pelo meu corpo todo e que fluiu pelo meu sangue e trouxe vida àquela parte da alma que tive que adormecer.
Senti-me caminhar uns centímetros acima do chão. Percorri aqueles recantos, numa esperança esquisita de que não houvesse já vestígios de nada, e ao mesmo tempo torcendo para lá encontrar algures um bocadinho de mim, um sinal de que ainda lá estou, de que não fui esquecida, de que ali há um lugar que ainda me pertence. Eu estou lá, sim. Revejo-me em quase tudo. Sou eu, sem mordaças, sem censuras, sem limites, sem receios, sem realismos.
Não devia ter lá voltado. Foram muitos anos da minha vida a tentar esquecer a outra parte da vida, que lá ficou. Como uma droga de que já não dependia. Acreditei eu que o vício estava findo, e pensei-me capaz de poder voltar a provar. Eis esta espécie de dor doce, que me impede de voltar atrás mas me tira a vontade de prosseguir. Porque prosseguir é encarar que o lugar continua lá. Mas que nós nunca lá voltaremos.
Não sei se toda a gente tem um lugar assim. Eu tenho. Sou feliz porque o tive. Infeliz porque o perdi. Mas agora sei que ele lá está... ele ainda lá está. E não sei se algum dia vou conseguir deixar de esperar que lá tornaremos a voltar.
Do cheiro e dos objectos e do gato e dos livros e das guitarras, surgiu-me um pontinho dentro do peito, que aumentou e se alastrou pelo meu corpo todo e que fluiu pelo meu sangue e trouxe vida àquela parte da alma que tive que adormecer.
Senti-me caminhar uns centímetros acima do chão. Percorri aqueles recantos, numa esperança esquisita de que não houvesse já vestígios de nada, e ao mesmo tempo torcendo para lá encontrar algures um bocadinho de mim, um sinal de que ainda lá estou, de que não fui esquecida, de que ali há um lugar que ainda me pertence. Eu estou lá, sim. Revejo-me em quase tudo. Sou eu, sem mordaças, sem censuras, sem limites, sem receios, sem realismos.
Não devia ter lá voltado. Foram muitos anos da minha vida a tentar esquecer a outra parte da vida, que lá ficou. Como uma droga de que já não dependia. Acreditei eu que o vício estava findo, e pensei-me capaz de poder voltar a provar. Eis esta espécie de dor doce, que me impede de voltar atrás mas me tira a vontade de prosseguir. Porque prosseguir é encarar que o lugar continua lá. Mas que nós nunca lá voltaremos.
Não sei se toda a gente tem um lugar assim. Eu tenho. Sou feliz porque o tive. Infeliz porque o perdi. Mas agora sei que ele lá está... ele ainda lá está. E não sei se algum dia vou conseguir deixar de esperar que lá tornaremos a voltar.
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