quinta-feira, 19 de agosto de 2004

Bonecos de plástico

Nunca cresci. Não nisto. Às vezes acho que o mundo ainda são os bonecos de plástico com que brincava no recreio, a família do urso Mischa que ia a banhos no lavatório lá de casa, os Aristogatos da minha caderneta de cromos, o Luke e a Leia da Guerra das Estrelas a lutarem no vaso das plantas da minha mãe. Anda uma pessoa anos na formação da personalidade a aprender o preto e branco, e depois um dia abre os olhos e é tudo em meios tons de cinzento. E pronto, desenvolve-se um caso de Daltonismo grave, irrecuperável, e não se consegue ver nada. Afinal, raios partam, ninguém está quietinho no preto nem no branco, parece que toda a gente imbirrou em pôr-se naquela área turva, e eu não consigo distinguir ninguém.
Continuo à espera, mas teimam em não passar Luke Skywalkers pela minha vida. Às vezes ainda me imagino na floresta da Lua de Endor, onde consigo distinguir facilmente os bons e os maus por entre as árvores seculares. E ao meu lado estão pessoas de espada na mão e justiça na alma. Também nunca encontrei nenhum Darth Vader, ninguém puramente rendido ao mal, ninguém a quem possa apontar o dedo e categorizar como pertencente ao lado negro.
Eis as pessoas, boas e más. Todas. Sacam da espada laser e umas vezes resistem com honra, outras emitem um respirar metálico e assustador. E eu aqui fico, sem saber a quem confiar os meus planos secretos. E também não me aparece nenhum mestre Yoda para me orientar.
As pessoas deviam ser boas ou más, para sabermos com o que contamos. Não queria ter que esperar coisas más dos que acho bons, e muito menos coisas boas dos maus que me habituei a não gostar. Não há maneira de as pessoas se encaixarem, nem no preto nem no branco. Nem sequer eu! Dentro de cada um há luz que nos cega e trevas que nos desorientam. Ou talvez eu devesse dizer luz que nos fascina e trevas que nos intrigam...
De qualquer forma, o preto e o branco são produtos da imaginação. Histórias da carochinha. Bonecos de plástico. Aprendemos a separar para depois juntar. E em linguagem de recreio, somos bons e maus. Talvez seja só essa a razão porque não há finais apenas felizes.