terça-feira, 30 de agosto de 2005

"You’ve got mail”

Ainda dizem que a nossa sociedade não gosta de ler e escrever. Que as novas tecnologias vieram incentivar ainda mais essa tendência. Pois digo eu que não, e tenho provas. Estou aqui sentada a 5 ou 6 metros de duas colegas. Fiz um textos para colocar online, pus os textos num email e mandei-lhes, para ver se tinham observações a fazer. Não valia a pena gastar papel a imprimir um rascunho, certo? Se acham que as respostas se fizeram chegar a pé e verbalmente, enganam-se. Em vez de fazerem os 5 metros, encavalitaram-se em dois emails de resposta, viajaram até ao servidor da companhia, uns edifícios mais abaixo, e tornaram a fazer o caminho de volta até ao computador desta que vos fala, a 5 ou 6 metros das suas origens.
A realidade empresarial parece depender hoje de um software de email. Os limites desapareceram, e usa-se quer seja para nos dirigirmos a um continente de distância ou a um metro de distância. Aparecemos nos computadores uns dos outros, escondidos por trás das letras, e é assim que argumentamos, pedimos, perguntamos, exigimos, discutimos, debatemos, concluímos, decidimos. Bem mais fácil que o confronto directo! Vejamos: não temos que enfrentar, não temos que improvisar, não temos sequer que nos deslocar e parece que até fica barato.
Além disso, como confiança é coisa desaparecida a nível profissional, hoje em dia toda a gente acha importantíssimo ter as declarações dos outros por escrito. Se não escreveu é porque não disse! Se não escreveu, é porque pode voltar com a palavra atrás! É porque respondeu sem ter a certeza. É porque está a querer enganar-nos. Por isso guardamos religiosamente as provas, acumulamos gigas de email, não vá algum dia algum deles vir a ser necessário em julgamento.
Ah, mas isto não são só vantagens. Se verbalmente algumas calinadas no português passam relativamente despercebidas, preto no branco elas destacam-se como um elefante cor-de-rosa. E é ver os licenciados, economistas, doutores e engenheiros deste país com os seus “á” em vez de “à” ou pior, em vez de “há”, com os seus “hádes”, os seus “voçês”, os seus “deve de fazer” e os seus “deiam”, promovendo ao mundo a sua até então secreta iliteracia.
Além disso, há a enorme complexidade das “Carbon Copies”, conhecidas vulgarmente por “Com Conhecimento”. Há toda uma engrenagem à volta disso, que implica amizades, inimizades, hierarquias, e para onde estamos virados nesse dia. E uma decisão ou um esquecimento podem ferir susceptibilidades. A quem é que eu dou conhecimento? Quem é que eu ponho no “Para”? Se ponho fulano só com conhecimento, ele acha que o email não implica qualquer atenção do lado dele. Provavelmente nem sequer lê. Se não ponho sicrano, ele vai achar que estou a ignorá-lo. Ah, vou copiar o Director, para ele ver que eu estou a trabalhar! Não vou copiar fulana porque a gaja é uma chata e não a quero metida no assunto. Não vou copiar ninguém para pensarem que só eu aqui é que trabalho!
E assim acontece o mundo empresarial. No secretismo silencioso do mundo virtual. Mas totalmente registado por escrito. Pelo menos até ao dia em que o email ultrapassa os 2 giga e, num piscar de olhos, anos e anos de precioso registo são pura e simplesmente obliterados. E ficamos nus e desprotegidos, como acabados de vir ao mundo. Mas cheios de espaço para novos registos!
Mas pronto, há um lado positivo em tudo isto. É que pelo menos voltámos a ter que ler e escrever. E as obras de arte que aqui se encontram são muito mais extraordinárias que as das livrarias.

segunda-feira, 29 de agosto de 2005

Livros

Uma das coisas que gosto em ler um livro é aquela capacidade divina de fazer acontecer as coisas à velocidade que eu quiser. Posso prolongar eternamente um momento, deixar-me ficar numas linhas e não avançar enquanto não me apetecer. Ou viver o mesmo momento vezes sem conta, simplesmente porque me apetece tornar a gozá-lo. Ou voltar a ler com mais atenção partes que da primeira vez me escaparam, porque achei que não eram especiais. Parar de ler, porque tenho medo de saber o que vai acontecer. Ou ler o mais depressa que consigo, para saber como vai acabar, porque já não aguento de ansiedade. E se não gostar do final, invento um a meu gosto. Ou digo a mim mesma que nada daquilo realmente aconteceu.
Tudo coisas que a capacidade de mero mortal não permite. Tudo coisas que a vida não permite. Se permitisse se calhar não tinha piada. Tinha?