terça-feira, 27 de julho de 2004

Debaixo da lente de aumentar

Queria poder ser imperfeita. Queria ter esse direito. De errar, de falhar, de me enganar, de desistir. É claro que sou imperfeita. Mas às vezes tenho a sensação que não me é permitido, que se fui posta aqui, agora tenho que andar na linha e ser perfeita. Queria poder bater com a cabeça, queria poder dar respostas tortas de vez em quando, queria poder não ser eu a ter cuidado, às vezes. Às vezes sinto-me debaixo de uma lupa gigante, e do outro lado está um olhar que acenta todos os meus erros. E debaixo daqueles olhos está uma boca que não perde a oportunidade para mos lembrar. E quanto mais tento não falhar, pior, porque as falhas destacam-se mais. A maior parte dos dias consigo fugir desta lupa. Mas há dias em que ela me descobre, onde quer que eu esteja, e por muito que eu me esforce. Talvez seja verdade, que os que mais próximos de nós estão são os que mais de nós esperam. Mas eu queria poder decidir e enganar-me, queria poder aplicar-me e errar, queria poder tentar e desistir. E ter braços por baixo para me agarrarem, em vez daquela lupa sobre a minha cabeça. Talvez a vida seja mesmo assim. Se há um par de mãos que nos embala, há um monte de outros pares com os dedos apontados às nossas fragilidades. Há sempre quem vá concentrar-se na nossa imperfeição. Pelos vistos a vida é assim. E essa é daquelas coisas que ninguém nos explica, simplesmente leva-se com ela em cima. Provavelmente, cabe-nos a nós agarrar nela e atirá-la para longe, sempre que ela insista em cair. Mas há momentos em que parece que ficámos enterrados debaixo dela.

segunda-feira, 26 de julho de 2004

Factor 100 vergonha

“Deiam”, “quaisqueres”, “póssamos”, “há-des”... É este o linguajar de uma Monitora, cuja entidade formadora a que pertence define da seguinte forma: “Possui licenciatura ou frequência universitária, recebeu formação pedagógica e foi certificada profissionalmente(...)”. Formadora de um módulo de um curso Profissional, que se paga bem caro. O nível foi reles, desorientado, confuso, ridículo. Treze horas a ouvir “Ah! Esqueci-me de dizer uma coisa.”, “Oh, desculpem, desculpem, não é assim.” ou “Esqueçam, esqueçam isto, assim não dá!” foi um teste à minha resistência. Mas a maior pérola de todas foi “Ora deixa cá ver se eu ainda me lembro disto...” Aí sim, vi-me levantar, agarrá-la pelos colarinhos e gritar-lhe “Oh mulher, ORGANIZE-SE!!!!!”. Pontos do programa ficaram por dar, outros foram mal dados, outros ainda foram dados mas ao não resultarem, pôs-se a culpa na instalação do software. Com a expectativa gorada e a inteligência ultrajada, no final do módulo fiquei... absolutamente na mesma. Apenas um pouco mais consciente ainda de que a maioria dos lugares não é para quem os merece, mas para quem os “herda”. Viva a promoção da incompetência graças a este fantástico protector, utilizado em qualquer altura do ano e ultra-eficaz,
de factor C.

terça-feira, 20 de julho de 2004

Acidentalmente apaixonada!

Por incrível que pareça, a tal caixa que mudou o mundo, e que passou a ser bem de primeira necessidade em quase todas as casas, já teve os seus dias de glória (para aí no tempo em que os animais falavam), e ouviam-se coisas de facto interessantes, para além dos programas sobre animais e sobre História. Foi nesse tempo antigo que uma vez ouvi dizer algo, que passou a acompanhar-me, e que ainda hoje utilizo e subscrevo: a música é a prova da existência da alma.
De facto. É algo que nasce sem ninguém saber como. Vão perguntar a algum músico se sabe explicar de onde vem, e como surge. Vem de dentro. Compõe-se como surgida de um feitiço qualquer. Ou se nasce com, ou se nasce sem a capacidade de criar música. Umas almas criam-na, a maioria alimenta-se dela. E há música para todos os públicos-alma, felizmente.
Mas o melhor disto tudo é quando, de repente, vinda não se sabe de onde, surge uma música que é simplesmente tudo o que nós esperávamos. Acontece aí de dois em dois anos. É como uma explosão de alegria! Preenche todos os cantinhos da nossa alma, e eleva-a aos píncaros. Ouve-se vezes sem conta, de seguida, de cada vez parece melhor e maior e mais fantástica! Não há opção, temos que a ouvir até a gastar, até começar a perder o efeito e voltar a parecer uma música quase vulgar. E pronto, foi o que me aconteceu ontem. “Accidentally In Love”. Obrigada, Counting Crows!! Há anos que a minha alma esperava por isto!!

quarta-feira, 14 de julho de 2004

Será...?


De entre todas as perguntas para que não tenho resposta, se pudesse escolher uma para me esclarecerem seria provavelmente esta. Será que a confiança pode ser recuperada?
Isto das relações entre a espécie humana tem muito que se lhe diga. E passa pelas fases mais diversas e inacreditáveis. Ainda assim, o mais incrível parece ser a capacidade de resistência, num mundo e num estilo de vida em que a paciência morreu, em que a tolerância é moribunda, e a cedência é um elemento do coração com que já não se nasce. Eu ainda acredito que as relações são capazes de resistir a tudo. A tudo menos a perda de confiança. Percebi que a confiança não tem sete vidas, tem uma apenas, e frágil como o cristal. E se essa vida se vai, não há máquina de reanimação que lhe valha. Não me parece que a confiança tenha uma fase moribunda. Qualquer golpe lhe é fatal. E a ressuscitação é um milagre que teve a sua última incidência há mais de dois mil anos.
Será assim? Ou será possível acreditarmos no íntimo que uma pessoa cometeu um erro, que nunca voltará a cometer? Será possível olhar nos olhos de alguém e acreditar num arrependimento? Será que existe arrependimento de verdade? Ou quem escorrega uma vez, vai passar a vida toda a escorregar? Será que não nos podemos dar ao luxo de acreditar? Ou será que é nossa obrigação dar segundas oportunidades? Esta parece ser uma dúvida recorrente, na vida. E no meio disto tudo, acho que é a nossa memória que nos apanha sempre. Nós não sabemos esquecer. Principalmente as coisas más. Parece que conseguem ter mais força e mais peso que as boas. E é esta persistência da memória que nos trama. Fica para sempre, como um alarme que toca à mínima vibração.
Então se não podemos esquecer, será que existe em nós a capacidade de aceitar uma pessoa, quando ela está carregada com o peso de uma desilusão? Será possível perdoar e voltar ao ponto de partida? Pois. “Será...” Eu bem disse que não tinha a resposta para isto.

quinta-feira, 8 de julho de 2004

Tempo animal


Tenho saudades do tempo em que não pensava nas coisas. Do tempo em que encarava a vida como um animal, sem questionar as razões das coisas, sem achar que os meus actos faziam diferença ou deixavam de fazer. Naquele tempo, tudo acontecia porque sim, porque era assim. A vida era apenas uma fluência inevitável, cheia de expectativas, interminável, e eu passava por ela, ou ela por mim, sem que eu tivesse consciência dela, nem da passagem do tempo. Era tudo tão mais fácil. A busca pelos meus sonhos era óbvia e inquestionável. Os meus medos eram sentidos mas não pensados. E serviam-me de impulso! As minhas lutas aconteciam sem dar por elas. Agia sem ter que fazer mil e um cálculos antes. Falava sem ter que saber primeiro se ia magoar ou elogiar. Era tão mais fácil. E eu tenho saudades. Não sentia competição. Os desafios eram naturais, e encarava-os sem perguntas. Não duvidava se era capaz. Não queria saber se alguém seria melhor do que eu. Não tinha medo.
Os anos trouxeram isso: o medo. O medo de não conseguir, o medo de magoar, o medo de parecer o que não sou, o medo de errar, o medo de esquecer, o medo de falhar, o medo de perder, o medo de sofrer, o medo de ser ultrapassada, o medo do risco, o medo. A vida vai-se tornando mais séria, e é isto com que afinal temos que lidar. Porque aprendemos, algures que eu ainda não descobri onde, que antes de qualquer coisa, temos que raciocinar, temos que prevenir, temos que prever, temos que anteceder tudo. Pensamos. Pensamos nas coisas todas. Há quem passe a vida a sofrer por antecipação, por causa disso. Há quem nunca arrisque nada, por causa disso.
Eu confesso, ainda não descobri a utilidade de pensar nas coisas. E se o medo nos serve de alerta, também nos serve de empecilho. Medo do quê, raios? Medo porquê? Só se vive uma vez!
Eu cá tenho saudades do tempo em que não pensava. Agia. Era eu. Só há uma coisa de que não tenho medo. Voltar a ser como naquele tempo animal. Que saudades!

quarta-feira, 7 de julho de 2004


Era uma das coisas que ela mais gostava. Quando ele se esquecia. Quando ele se esquecia de que tinha vivido grande parte da sua vida sem ela. Às vezes, quando ele falava de lugares onde tinha ido, momentos que tinha vivido, falava como se ela também tivesse estado lá. Por vezes ele ficava à espera que ela confirmasse as suas palavras. E ela olhava-o com os seus grandes olhos, sem saber o que pensar. Da primeira vez zangou-se. Porque ele não se lembrava que ela não tinha estado lá. Depois percebeu o que isso significava.
Ela completara-o. E isso estava tão dentro dele que já não pensava que alguma vez pudesse ter sido diferente. Tinha pegado nela e preenchido partes do seu passado com ela. Ele não tinha a certeza se tinha passado a ser dois, ou se finalmente era um único, completo. Também não importava. Esquecia-se era que durante muito tempo não fora assim.
E quando ele se esquecia, ela sabia. Sabia que era amada, da forma mais genuína, da forma mais pura. E mesmo nos dias em que ela questionava toda a sua vida, se ele se esquecia, ela lembrava-se. A vida dera-lhe a maior dádiva possível.

terça-feira, 6 de julho de 2004

Olho por olho


Há pessoas que nos mandam más vibrações desde o primeiro instante. Há pessoas que vivem numa eterna luta maquiavélica para se afirmarem, para terem poder sobre os outros, para serem influentes e fazer-nos temer a sua omnipresença. Há pessoas que conseguem imiscuir-se em cada detalhe de forma quase imperceptível. Há pessoas que têm um objectivo em cada sorriso, em cada palavra, em cada gesto. Há pessoas que tiram uma espécie de prazer vampírico da mágoa dos outros. Há pessoas que te sorriem enquanto te atiram pedras ao coração. Há pessoas que constróem a sua imagem correcta e magnânima sobre um âmago de insegurança e inveja. Há pessoas que só sabem medir o seu sucesso mediante a sua superioridade junto dos outros.
Passamos a vida a tentar evitar estas pessoas. Mas a vida encarrega-se de as colocar no nosso caminho, de vez em quando. Parece um teste qualquer. Como se só na nossa humildade e na nossa integridade conseguíssemos ser maiores do que elas. Mas há momentos em que de repente se abre uma pequena brecha. Uma oportunidade de pagar na mesma moeda. Uma oportunidade de lhes dar a provar um gole do seu próprio veneno. A tentação é tão grande! Mas a sensação é de que nós não vamos conseguir safar-nos com a mesma pinta, como fazem aquelas pessoas. Parecem imunes à justiça, parecem imunes ao castigo. Passam pela vida interiormente infelizes – só podem -, mas sem por uma única vez se prejudicarem com a sua própria maldade. Pelo contrário, encontrando apenas razão para continuar.
Assistir a isto põe a nossa integridade à prova máxima. Quando uma brecha nas muralhas de uma pessoa assim se abre bem à nossa frente. Fazer uma coisa má a uma pessoa má. É justiça? Ou é vingança?
Faço? Ou não faço?


Hoje finalmente tive coragem de levantar os olhos para os prédios. Surpresa! As bandeiras continuam quase todas lá. Tinha receio que fosse apenas uma febre. E que passasse com uma derrota. Afinal não houve derrota. Afinal continuamos a ser portugueses. E a gostar.

sexta-feira, 2 de julho de 2004

O que é que fazemos...


Ao início foi perfeito, era tudo o que eu precisava. As pessoas até tinham inveja de nós. Parecia que nos conhecíamos desde sempre. Relação perfeita, esta da amizade, com quase todas as vantagens do amor, sem as exigências do amor. E no entanto claramente mais frágil, mais fácil de vender.
Não sei onde foi que entrou em mutação. Não sei qual foi o ponto em que chegou ao topo e começou a cair. Não foi uma queda vertiginosa. Foi lenta, e com alguns sinais de recuperação. Mas não foi capaz de resistir ao que a rodeava. Foi entrando uma pedrinha na engrenagem, depois outra, algumas fomos nós mesmos que as colocámos lá. Aquilo que num momento parece forte, sólido e resistente a todos os embates, no outro é oco, falso e quebradiço. Tenho tanta pena. O carinho transforma-se numa vontade de desprezo. E o passado... o que é que fazemos com o passado, depois da desilusão? Foi uma mentira? Ou terá sido verdade enquanto acreditei nela...? Não interessa saber. Hoje não olho nos olhos, falo o indispensável. Se esta aliança era tão facilmente corrompível, também não valia a pena mantê-la.
Tenho tanta pena. Mas esta não foi a primeira vez. Com certeza não será a última.
Não faz mal. Enquanto tiver coragem, vou continuar a investir em amizade. Cabeça levantada. E venha outra!