quarta-feira, 30 de agosto de 2006

A polivalência da secretária

Estou a falar daquelas mesas onde ouvi dizer que era suposto trabalhar.
Levantei-me da minha secretária e atravessei a sala para ir fazer uma pergunta à colega que se senta a outra, na ponta oposta à minha. Antes de ver, já um cheiro conhecido mas totalmente deslocado me chegava às narinas. A identificação chegou ao mesmo tempo que concretizava a visão. De mão totalmente aberta, com o frasco em cima da dita, da secretária, ela... pintava as unhas. De um vermelho forte, ainda por cima, não fosse o simples acto não chamar suficientemente a atenção. Convém realçar que, além de tudo o resto que nos pode passar pela cabeça ao testemunhar a cena, a sala tem paredes de vidro, pelo que qualquer pessoa que passe no corredor, a veria – provavelmente viu – naquele desplante.
Não sei qual de nós abriu mais a boca, se eu de espanto, se ela de susto. E depois de gaguejar, saiu-lhe, apontando para o computador, a mais bela pérola de sempre:
- Estou à espera que isto ande!!!!!
Sim, pois, ‘tá bem.

segunda-feira, 21 de agosto de 2006

Gene Anthony Ray (1962-2003)



É provavelmente uma das personagens mais marcantes da minha infância. O jovem indomável dançarino da série Fame. Todas as tardes de Sábado, lá estávamos nós em frente à televisão, para ver aquele grupo de miúdos com talento, que iam viver para sempre.
A maior parte deles viveu aqueles anos no topo do mundo e depois esbateu-se no esquecimento, no meio de tantos outros à procura do mesmo.
Na vida real, ele não era muito diferente do Leroy. Rebelde, aprendeu a dançar nas ruas, e entrou para a verdadeira New York High School of the Performing Arts, Infelizmente, ao contrário de Leroy, foi expulso ao fim de um ano. Ganhou o papel em Fame, tanto graças ao seu estilo de dança crú como ao seu olhar hipnotizante. Mas foi retirado da série em 1984, quando a sua mãe foi presa por gerir uma rede de droga e ele não apareceu para trabalhar vezes sem conta. Durante cinco meses, deixou-se engordar enterrado no sofá de casa. Durante outros dois, comeu como um passarinho para voltar a caber no seu tamanho original de calças.
Mas nunca mais voltou a actuar em nada relevante. Participou no video “It’s Raining Men”, das The Weather Girls”. Foi chamado pela sua co-actriz Debbie Allen, a professora de dança de Fame Lydia Grant, a participar no filme “Out of Sync”, em 1995. Entrou no filme “Eddie”, com Whoopi Goldberg, em 1996.
Entretanto, deixava-se mergulhar numa vida de festas, álcool e drogas. Dormiu em bancos de jardim e partilhou um apartamento com uma actriz porno. Tentou em vão abrir uma escola ao estilo de Fame, em Milão.
Em 1996, foi-lhe diagnosticado o virus HIV.

Em 2000, vi-o. Em Roma, nas escadas Trinidade do Monte, junto à Praça de Espanha. Estava uma maravilhosa noite de Verão, e ele tinha-se juntado a um grupo que tocava guitarra e cantava. Fiquei na dúvida se seria ele, até que ele dançou. E o estilo Fame era inconfundível. Não estava gordo, como eu esperaria, e continuava a ser um prazer vê-lo dançar.

Interroguei-me sobre o que teria sido o percurso dele durante aqueles 16 anos. Mas não voltei a lembrar-me.
No dia 14 de Novembro de 2003, Gene morreu, vítima de enfarte, com 41 anos.
É estranho pensar como uma vida que parecia ter o melhor à sua frente, sofre um desvio para o nada.
Como me arrependo de não me ter dirigido a ele naquela noite. A vergonha realmente nunca serviu para nada. Restam-me agora os episódios no People & Arts. Vista hoje à distância, era realmente uma série muito bem feita.
Gene morreu. Mas o Leroy vai viver para sempre. E eu prefiro acreditar que ele ainda por lá anda, dançando pelas ruas de Nova Iorque.

Aqui fica um video para recordar, tributo de um fã.

quinta-feira, 17 de agosto de 2006

Tentações - a Cusquice

Deve ser uma das maiores fraquezas humanas. Mas existe realmente um pequenino e mesquinho prazer ao contar uma cusquice.
Em primeiro lugar, é importante fazemos a diferenciação entre cusquice e boato. A cusquice é normalmente algo que sabemos de fonte relativamente segura e que contamos em primeiro ou segundo grau de transmissão. Já o boato pode vir em 5º ou 6º grau e ter a origem completamente perdida, não importa, e serve para uma de duas coisas: ou para denegrir alguém ou para espicaçar o imaginário das gentes, quando ele anda pelas ruas da amargura.
Hoje sentei-me para almoçar com o desejo da cusquice a pesar no ombro.
É que, de quando em vez, alguém se lembra de partilhar connosco algum segredo cabeludo, algum peso na consciência, algum drama pessoal. E no meio do que podemos sentir pela pessoa, surge-nos aquele diabinho na ponta da língua, desejoso por nos fazer entornar a história toda.
Por isso, e porque ontem foi uma dessas vezes, hoje ao almoço, não era um anjo que passava a cada pausa para mastigar, era o diabinho da cusquice. Doidinho por contar. Porque, verdade seja dita, era preciso ser santo para não sentir um milímetro de prazer em chocar os outros. E os outros, para dizer a verdade, também sentem um pequenino prazer em ser chocados.
Mas não está certo, dizerem-nos algo que temos que guardar para sempre, ou pelo menos até o próprio estar preparado para contar publicamente...! Não sei quem é que pensam que nós somos, mas no mínimo de super-homem para cima.
Mas pronto, esta super-mulher aguentou-se o almoço inteiro, mais o dia de ontem e todo o de hoje, e vai continuar a aguentar-se estoicamente. Não vá um raio cair-lhe na cabeça!
Falando sério, a confiança é um elogio que nos fazem, e deve honrar-se como um cavaleiro à sua espada. Mas que às vezes é tentador, ui... lá isso é.

quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Stoned

Nunca fui grande fã e só conheço aquelas músicas que toda a gente conhece. Start Me Up, You Can’t Always Get What You Want, Satisfaction, Angie... Mas fui. Oiço falar deles e vejo-os passar na televisão desde que nasci. Aqueles homens magros e feios, antípodas dos Beatles, e que toda a gente diz serem os maiores.
Fui curiosa e desconfiada. Estava com receio que ficar ali sentada a secar, a ver 4 velhotes a levar outra grande seca.
Mas quando, a meio do espectáculo, dei por mim de boca literalmente aberta, rendi-me às evidências. Desde os meus dez anos, perdi a conta das bandas rock que vi ao vivo. Nada chega àquilo que vi no Dragão, este Sábado. E não, não é só o fogo de artifício, o palco abismal, as luzes, o ecran realmente gigante e a boca vermelha insuflável do tamanho de 3 andares. São eles. E convém recordar que o mais jovem membro da banda tem 58 anos, e que o vocalista tem 63. Talvez por isso saibam o que é dar um espectáculo, como mais ninguém sabe.



Correm, saltam, fazem movimentos amplos e interagem uns com os outros com um ânimo que não seria de esperar para quem fez isto a vida toda. De longe ninguém lhes daria mais de 35.
Foi a primeira vez que senti que aquelas pessoas estavam ali a trabalhar para mim. Para ME fazerem feliz, para ME divertirem. E que estavam satisfeitos por fazê-lo.
Para quem não sabe, o Mick achou que as pessoas com menos dinheiro e que tinham ficado no extremo oposto do estádio (e os viam com 5 milímetros de altura) também tinham direito a vê-los de perto. E foi assim que, subitamente, parte do palco se separou, e toda a banda, com bateria, teclados, guitarristas e Mick, vieram em cima dela, rolando até à outra ponta do estádio. E tocaram três músicas mesmo ali à nossa frente. É verdade que é preciso ter dinheiro. Mas as ideias boas só se têm quando se pensa para quem se fazem as coisas.
Depois de quase duas horas, ficou claro para mim porque razão têm este homens o sucesso que têm, ao fim de tantas décadas.
Foi uma honra lá estar. E, perdoem-me o trocadilho óbvio, ninguém saiu de lá com falta de Satisfaction.

segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Matanças

Estamos a dia 14 de Agosto e já foram este ano mortas 329.701 focas bebé no Canadá. Todos os anos a história repete-se. Todas têm menos de dois meses de idade. E a muitas é tirada a pele enquanto ainda vivas. O governo canadiano nada faz excepto esfregar as mãos antecipando os dólares que 330 mil mortes autorizadas trarão.

Aqui estão os melhores cartazes deste ano contra um dos muitos actos bárbaros da humanidade.



Tudo em pról da futilidade de certa faixa social.

Mais informações em The Humane Society.

quarta-feira, 2 de agosto de 2006

Photograph

De auscultadores nos ouvidos, numa longa viagem de comboio, vendo os lugares passar como uma sucessão veloz de slides, entra-me de repente pelo sangue uma música que me foi direita à alma. A minha mente imediatamente deixou de estar ali naquele lugarzinho e reviveu em catadupa memórias, rostos, nomes, momentos, vozes, sons, sensações. Aquela altura em que as amizades eram para sempre e os sonhos nos conduziam a vida. Era o nosso bocadinho de “Stand by Me”, misturado com “Goonies” e BonJovi. Era tão bom. Era tudo tão bom. O que não daríamos por mais um bocadinho daqueles dias, só mais um bocadinho. É curioso. Porque se hoje nos parece que são as coisas más que nos ficam mais gravadas na memória, daquela época só me lembro praticamente das coisas boas. Sinto-me feliz só de me lembrar de lá. Ficaram os registos, das vozes, das imagens, das fotografias, das músicas. Nunca os vejo. O mais vivo é o que me ficou na alma. É a única fotografia verdadeiramente real daquele tempo. Das poucas que levarei até ao último suspiro. E sei que nesse momento, vou lembrar-me dela.
Obrigada aos Nickleback por uma das poucas músicas que consegue arrepiar-me os pelos do pescoço.